Addison Schacht é um adolescente em vias de concluir o ensino médio.
Como qualquer pessoa na sua idade, está perdido em relação ao futuro. Porém,
sabe muito bem o que fazer com o presente — ao menos é o que ele acha.
Filho de pais judeus, o rapaz vive numa boa casa e possui uma vida
financeira estável. No entanto, gosta do poder que tem ao fornecer drogas para
seus colegas na escola. É super organizado e mantém seus clientes na linha,
como um verdadeiro profissional (se é que podemos chamá-lo desse jeito).
A rotina do rapaz pouco muda: ir as aulas, fumar seus baseados e curtir
o restante do dia com Digger, sua melhor amiga (ou amiga colorida, como
preferir). Mas sua vida muda do dia para a noite quando é noticiada a morte de Kevin
Boradus, um colega da escola.
O ocorrido fica tão marcado em sua mente, que ele não consegue esquecer,
nem no momento de preencher os formulários de candidatura às universidades. De
modo especial, quando se depara com uma pergunta cabulosa: Quais suas maiores
qualidades e piores defeitos?
Assim, Addison decide investigar por conta própria por que a morte de um
rapaz, até então conhecido apenas de corredores, mexeu tanto com seus ideais. Com
isso, ele pode descobrir muito mais do que procurava.
“Mas é assim que as pessoas são. Não dá para negar. Todo mundo se prende
às lembranças baratas do passado.”
‘Os Criminosos de Novembro’ não estava no meu radar até o ano passado.
Encontrei por acaso no sistema de trocas do Skoob e decidi dar uma chance à
obra. No entanto, assim como tantas outras, chegaram aqui em casa e ficaram na
estante pegando poeira, pois eu sempre passava outros na frente.
Quando vi que foi o escolhido para o ‘12 Livros para 2022’, confesso que
fiquei até surpresa, ao perceber que ele era mais popular do que eu imaginava.
E provavelmente você deva conhecer mais pelo filme do que pelo livro,
propriamente dito. Como nunca assisti à adaptação, falarei apenas das minhas
impressões sobre o livro.
A trama se passa em meados de 1999 e vemos os acontecimentos de acordo
com a visão de Addison, nosso protagonista. Ele está se candidatando a uma vaga
na Universidade de Chicago e precisa escrever uma redação, respondendo a uma
das perguntas capciosas da lista fornecida pela comissão avaliadora.
Essa questão levou o rapaz a muitas memórias, as quais são contadas para
o leitor em forma da própria redação, que mais se torna um livro (e
sinceramente, tenho dó do avaliador que tenha pego esse tijolo para corrigir,
rsrsrs). Por sua vez, como são lembranças e o personagem está claramente tendo
um brainstorm, a narrativa não é
linear.
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Foto: Hanna Carolina/Mundinho da Hanna |
Além disso, o jovem não se lembra dos fatos como aconteceram em
detalhes. O que faz dele um narrador não-confiável.
No entanto, é o único
disposto a nos contar o que houve com os alunos da escola John F. Kennedy. Kevin Broadus, um de seus colegas, foi brutalmente assassinado a tiros enquanto
trabalhava em um supermercado.
O caso comoveu toda a sociedade na hora, saindo nos jornais e logo
começou a ser investigado. Porém, seguindo as estatísticas, caiu no
esquecimento, assim como muitas outras mortes brutais de jovens — de modo
especial os negros e pobres.
Os professores fizeram uma espécie de memorial
para o estudante no local onde morreu e mal demonstram sentimento ao mencionar
seu nome, como se fosse um dever a ser cumprido de modo robótico.
Os próprios alunos que estudavam com ele seguem a vida como se Kevin
jamais tivesse existido. O único que se incomoda com o fato é Addison, o rapaz
com quem ele mal trocava duas palavras pelos corredores.
Junto a Digger, sua
fiel escudeira, os dois decidem investigar por conta própria o que teria
acontecido com a vítima. E, quem sabe assim, fazer uma espécie de justiça ao
rapaz morto.
“Acho que todo mundo deixa de seguir suas convicções às vezes.”
É aqui que a ideia anima bastante, mas me joga um balde de água fria na
página seguinte. Exatamente por não ser confiável, a narrativa do protagonista
viaja demais na batatinha e esquece do que é mais importante: a investigação.
Devo admitir que o autor conseguiu o objetivo de construir um personagem
que faz jus à idade que tem. Addison é um adolescente, cheio de dúvidas e
receios. E também metido a herói sem capa, mas que só consegue ser sem noção.
Passei páginas e mais páginas vendo um adolescente chato e sem graça, contando
em detalhes minuciosos como faz para vender sua “mercadoria”, ou mesmo de sua
paixão platônica por Digger.
Contudo o lado detetive que é bom, é praticamente inexistente. Quando
tentava investigar alguma coisa, só metia os pés pelas mãos e fazia muita
besteira. Tanto que me dava nos nervos e eu não sabia onde enfiar a cara, de tanta
vergonha alheia.
Juro como tentei levar em consideração a pouca experiência do rapaz. Porém
Addison é um dos melhores alunos da escola, faz aulas de Latim e conhece Eneida
(na versão original) em todos os detalhes.
De vez em quando sai com umas
filosofias tão profundas sobre a História mundial, que surpreendem qualquer
adulto. Assim, ele deveria ser inteligente o suficiente para ter senso do
ridículo e ler algumas mensagens nas entrelinhas. Mas parece que a criatura
desliga a chave do cérebro pensante quando sai da frente da professora e fica
burro de novo quando mais precisa.
Entretanto, não sei se devo dizer que tenho ranço do Addison. Conforme
ele narra suas histórias fora do colégio, conhecemos sua relação com a família
e os poucos amigos que tem.
A mãe é falecida e o pai tenta fazer função dupla, porém
está tão perdido quanto o filho. Finge que está tudo bem. No entanto, mal dá
atenção ao rapaz e vive entre as aulas que dá na faculdade de artes plásticas e
suas namoradas.
“Tudo é permitido. Quando tudo é permitido, a mediocridade é a regra.”
Os companheiros mais chegados são os fornecedores da droga que Addison
vende. Então, boa parte das conversas que tem são sobre “trabalho” e coisas tão
aleatórias, que nem o protagonista tem paciência. Pensando assim, faz até
sentido que ele se sinta perdido e sem rumo boa parte do tempo.
Apenas Digger lhe dá a devida atenção e conversa de verdade com o amigo.
Por isso, passam boa parte do tempo juntos. E, confesso, tem uma química muito
boa rolando entre esses dois que gostei de ver.
A menina tem quase a mesma
idade do protagonista, porém é mais madura e dona de si (algo já esperado). Age
como a voz da razão em diversos momentos, tirando Addison das enrascadas em que
ele parece sentir orgulho de arranjar.
“Fiquei tão chocado com a aparição dela que não tive tempo de sentir felicidade,
e agora que ela estava indo embora, eu estava chocado demais para sentir
infelicidade.”
Juntos eles fazem umas investigações meia boca, mas conseguem até andar
mais do que os detetives profissionais. Sei que a ideia é mostrar o quanto a
justiça é falha, em especial quando a cor da pele e a conta bancária da vítima
falam mais alto. O autor alcançou mais um objetivo, pois retratou exatamente o
que acontece no mundo real.
No entanto, me dava agonia ver que os investigadores eram lentos demais.
Em especial por serem conformados de que o sistema é falho e não teriam
recursos para resolver todos os casos que tinham em mãos. Me dar conta disso
doeu mais do que um soco na boca do estômago e fiquei um tempo refletindo a
respeito. Principalmente por saber que os anos passaram, porém pouco ou nada
mudou.
“As pessoas são o que são, e desejar que elas
mudem é besteira.”
Além disso, Addison se revolta com a forma como nem os próprios
professores sabem lidar com a diversidade que insistem em dizer que respeitam.
Temos uma visão clara disso quando chegam as festividades sobre a Consciência
Negra.
Os professores não parecem fazer por, de fato, acreditarem na
necessidade do debate; fazem apenas por obrigação nítida e seguem um discurso
engessado e totalmente close errado.
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Foto: Hanna Carolina/Mundinho da Hanna |
Olhando mais a fundo, percebemos que a John F. Kennedy é uma escola
branca, com alunos e professores brancos, forçados a admitir alunos de outras
etnias, como uma forma de cumprir cotas. Porém, continuam agindo como se fossem
superiores e fingem que os 10% dos alunos não-brancos não existem, ou nem mesmo
sejam dignos de ter uma história de verdade.
Isso se reflete nos próprios estudantes, em especial Alex Faustner, a
aluna modelo que seria uma forte candidata à KKK. Seus discursos são racistas e
extremamente ofensivos a qualquer um que tenha um pouco de senso e decência.
Mas ela apenas repete as palavras bonitas e o preconceito mal disfarçado que
seus professores e familiares cospem todo ano. Isso aumenta a sensação de
revolta de Addison e do próprio leitor, que parecem ser os únicos a perceber as
atrocidades que acontecem dentro dos muros da escola.
Talvez por isso o rapaz seja um aluno-problema, que arruma briga com
professores e colegas de classe. Embora não concorde com suas atitudes (um
tanto babacas e imaturas), é a forma que ele tem de lutar contra um sistema
falho desde a raiz.
Além disso, com toques de humor ácido e devaneios, o jovem
mostrou o quanto as pessoas ainda precisam trabalhar mais a empatia umas com as
outras. Ou mesmo estudar um dicionário, para entender o real significado de
respeito e sororidade.
O mistério do que aconteceu com Kevin, porém, é solucionado como um
coelho tirado da cartola. Embora o autor tenha passeado por assuntos
importantes, como racismo e uso de drogas, gostaria que o suspense também
tivesse sido melhor trabalhado. Porém, a resposta foi jogada no colo do leitor
de qualquer jeito, como se fosse tão óbvio, que seria até uma piada enrolar
mais (no entanto, ele enrolou um bocado em cenas desnecessárias).
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Foto: Hanna Carolina/Mundinho da Hanna |
Mas devo admitir que achei a escolha do título peculiar e a explicação
faz jus à personalidade do Addison. Jamais teria relacionado o tema com o
título e achei sensacional.
Falando sobre a obra em si, a escrita é fluida e terminei a leitura em
dois dias e meio. A diagramação está de parabéns, com uma fonte legível,
revisão atenciosa e páginas amareladas e grossinhas. A capa é bonita, porém não
entendi muito bem o real sentido, pois tem nada a ver com a trama central.
Além
disso, por conta das minhas ressalvas, não é um livro que eu leria novamente e
nem vai levar a nota máxima. Mas ainda fica a dica, caso você goste de
suspenses com adolescentes em um tom meio noir.
E aí, o que acharam? Já leram esse livro, ou algum outro do autor? Curtem essa vibe mais noir?
Oi, Hanna. Tudo bem? Apesar de suas ressalvas é um livro que eu leria tranquilamente, uma vez que, adoro o gênero. Ótima resenha. Abraço!
ResponderExcluirhttps://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/
Que bom, Luciano. Espero que tenha uma experiência melhor que a minha, =).
ExcluirOi Hanna! Apesar de gostar de histórias com suspense, essa não me cativou. Acho que esse protagonista, por tudo que você mencionou, iria me tirar do sério. Bjos!! Cida
ResponderExcluirMoonlight Books