Olá meu povo, como estamos? Hoje temos resenha de um livro que me tirou
dos trilhos. Estou falando de ‘O Destino de Irene’, da autora nacional Tamyris
Torres.
Foto: Hanna Carolina/Mundinho da Hanna |
ALERTA: Pode conter gatilhos de distúrbios alimentares
Obs.: Livro lido em parceria com a autora (publicidade)
6/60
Livro: O Destino de Irene
Autora: Tamyris Torres
Editora: Independente/Amazon (ebook) e impresso pela Sarvier
Páginas: 152
Ano: 2022
Irene era um refúgio de mentiras, uma mulher que fugiu da sua própria vida. Ela sentiu que o controle do seu destino estava em outras mãos. Quando decidiu cursar Medicina, se envolveu com transtornos psíquicos como a compulsão alimentar e bulimia. Com o passar dos anos, percebeu que seu corpo não era mais o mesmo, tampouco a sua mente. Ela fará uma viagem no tempo para alcançar o momento onde tudo começou e buscará a sua própria redenção.
Irene é fruto de uma relação que começou cheia de sonhos, porém se tornaram frustrações. Crescendo em um lar disfuncional e quebrado da alta sociedade carioca dos anos 1980/90, a moça é constantemente podada por pais que acreditam estar criando uma vencedora e nada mais importa.
Assim, ela é doutrinada por comportamentos preconceituosos e extremamente machistas, além de ser forçada a seguir o legado da família sem discussão. Contudo, ao longo dos anos, a jovem vai aprendendo que o conceito de família e amor pode ser maior e mais bonito do que ela pensou. Embora também seja capaz de machucar profundamente, se não tomar cuidado.
“Ela comia suas emoções e as expelia tão rapidamente quanto as permitia sentir.”
‘O Destino de Irene’ é um livro que me tirou dos trilhos. Acho que essa
seria a definição perfeita. Para começar, não é o tipo de romance que eu costumo
ler, por trazer uma trama bastante carregada de emoções e cenas de revirar o
estômago. Mas resolvi tentar a sorte, por ser uma obra curtinha.
A narrativa é em terceira pessoa e mostra os acontecimentos pelo ângulo
de Irene na maior parte do tempo. Porém, alterna com um vislumbre das situações
que levaram às atitudes de seus pais no passado.
Por sua vez, a vibe dos anos
1980/90 é nostálgica, trazendo de volta alguns itens peculiares, como os walkmans, fitas cassete e discos de
vinil. No entanto, também traz à tona certos comportamentos ruins que eram moda
entre a sociedade da elite (alguns dos quais se mantém até os dias atuais,
sendo passados de geração em geração, infelizmente). Dessa forma, vemos uma
família toda pautada pelas aparências de um lar saudável e feliz, quando dentro
de casa é o completo oposto.
A protagonista foi criada em um lar doente desde o início. Seus pais,
Ícaro e Valquíria, fazem questão de deixar claro o quanto a filha mais velha é
“a única culpada” pela realização do casamento, pois nunca foi uma filha
desejada.
A solução para consertar o inconveniente foi apontada pelo avô
materno de Irene, a qual seria a única forma digna de manter a honra da
família. Deste modo, a menina é tratada como um ser de outro planeta em sua
própria casa, cuja existência é apenas aceita, ou ao menos é assim que ela se
sente.
Com a vinda dos irmãos mais novos (Caio e Camila), a situação se torna
ainda pior. Os três são educados e doutrinados para seguirem o legado da
família e induzidos a sempre competirem entre si. Então, eles devem agir como
se fossem concorrentes para ver quem será o adulto mais bem sucedido,
especialmente no que diz respeito à carreira profissional.
Filhos de dois médicos bem sucedidos, é esperado que também sigam o
exemplo e tenham o mesmo modo de vida, a fim de cuidar do império hospitalar
Santo Agostinho. A simples menção a uma faculdade diferente é motivo para
castigo e desavenças na mesa de jantar.
“Na vida, as coisas são assim, um dia estamos bem, outro dia, uma nuvem cinzenta parece que paira sobre nossas cabeças e tudo começa a desandar...”
Sem ter muito como fugir, Irene e seus irmãos se formam com louvor na
UFRJ e seguem toda a “lista da felicidade” da vida adulta. No entanto, a
protagonista carrega todo o peso indesejado de ser um exemplo constante para os
mais jovens. Mesmo contra sua vontade, é uma ótima médica e merecedora de
muitos prêmios e artigos científicos reconhecidos em revistas de alto impacto.
Mas nada disso importa se estiver acima do peso, solteira ou sem filhos.
A pressão vinda por parte de sua mãe é constante e invasiva, que leva a
situações constrangedoras e desnecessárias, forçando Irene a se encaixar em um
padrão impossível de alcançar.
Lendo os fatos pelo ponto de vista da
protagonista, é palpável a dor que ela sente, sobretudo por nunca ser ouvida
onde mais precisava.
Esse comportamento exagerado e obsessivo de Valquíria em busca de uma
beleza inalcançável leva a filha mais velha a extremos que, infelizmente, ainda
existem e precisam ser cuidados com delicadeza e respeito. Porém, não é todo
mundo que sabe lidar com eles, mesmo que tenha uma formação adequada.
Isso é observado nas consultas que seus pais arranjam para Irene com
terapeutas que só enxergavam cifrões no fim do mês e é só receitar um remedinho
que passa. Ninguém parecia entender as dores da moça, a qual entrava cada vez
mais em um casulo de incompreensão e solidão. Assim, é impossível não absorver
uma parte desses sentimentos, além de me sentir revoltada e cansada.
Minha vontade era abraçar a protagonista, dizer que era acolhida por
mim, pois eu a entendia, e mandar todo mundo às favas. O único psicólogo com
quem a protagonista tem alguma relação decente é com Miguel, que realmente
nasceu para a profissão que cumpre.
Porém, Irene está tão cansada e
desacreditada que é uma “paciente rebelde”. E, sinceramente, não a julgo.
Talvez se eu tivesse crescido em um lar disfuncional como o dela e fosse
doutrinada a agir como um robô obediente, teria a mesma reação.
“Busco uma verdade que nem sei se existe.”
E é por esse motivo que Irene me ganhou. Ela é uma boa pessoa, porém
perdida em sentimentos e dores com os quais nunca foi incentivada a tentar
entender.
Era muito mais fácil ignorar e seguir a vida sorrindo por fora e com
várias facas no coração por dentro. Afinal, ninguém tem tempo para ficar
ouvindo o desabafo das pessoas, de maneira especial se for sobre um assunto que
elas mesmas sentem e também nunca se entenderam.
Perceber isso me levou a diversos questionamentos que eu mesma me fiz
quando comecei a fazer tratamento psicológico. Sobre como a sociedade anda tão
doente e prefere colocar uma venda e fingir que está tudo bem, quando nunca
esteve.
O sentimento fica mais latente quando vi as partes do passado de Ícaro e
Valquíria. Vendo como as coisas aconteceram anos atrás, também não consegui
julgar eles.
Os dois apenas repetem as atitudes de seus próprios pais e
descontam suas frustrações nos filhos. O que é compreensível de certa forma,
embora também seja bem triste, pois perderam a chance de fazer diferente e
ensinar uma visão de mundo melhor para as crianças.
“Tenho medo de pessoas que acham que a verdade é absoluta.”
Mesmo com menos de 200 páginas, não foi uma leitura fácil e precisei
alternar com outros livros para seguir com a minha sanidade mental em dia. No
entanto, eu gostei de ver que são personagens muito reais, os quais poderiam
ser nossos próprios parentes.
Além disso, a autora não economiza nas críticas
sociais daquela época, mas que podem muito bem se encaixarem na atual. Fora que
dá muitos tapas com luva de pelica na cara do leitor, de forma que precisei
parar para respirar diversas vezes.
Ainda, mesmo com tantas coisas ruins, o livro mostra que é possível
enxergar girassóis amarelos numa zona devastada. Não apenas Irene, mas todos os
personagens secundários tem suas chances de se redimirem e aprender com seus
próprios erros. Embora seja um tanto tarde para recomeçar alguns laços que
deveriam ter sido formados na infância, é palpável que um dia precisamos
encarar nossos arrependimentos.
Desse modo, gostei de acompanhar a jornada de amadurecimento de todo o
elenco, em busca de um momento de paz e tranquilidade, nem que sejam por alguns
minutos. O desfecho, assim como toda a trama, não é feliz.
Contudo, é um livro
necessário em tempos que aponta tanto sobre saúde mental e autocuidado. Além
disso, traz uma ponta de esperança para quem acha que o mundo está perdido.
Falando sobre o livro em si, eu li em versão digital. Então, posso falar
que está bem diagramado e tem uma revisão legal. Gostei também do estilo
diferente de narrativa da autora, mais jornalística do que literária. Isso
ajudou na fluidez da leitura.
Minhas únicas ressalvas são por conta dos capítulos longos, os quais
poderiam ter sido divididos em dois ou três, sem afetar o andamento da trama.
Além disso, não curti muito a parte dos diálogos, que não tem travessão e nem
uma separação certinha. Demorei para entender que eram frases dos personagens e
não a narrativa da autora, o que me incomodou um pouco.
Também achei o prólogo
do livro interessante. Porém, pela forma como foi escrito, caberia muito mais
em um prefácio, já que apresenta o enredo do livro em si, com palavras da
autora, e não uma prévia da história propriamente dita.
Por conta disso, não leva a nota máxima, mas ainda assim é um livro
necessário e que recomendo de olhos fechados. Acho que todo leitor vai se
identificar ao menos com uma parte dessa história e se comover.
Já tinham lido algum livro assim? Me contem aí!
Obs.: Texto revisado por Emerson Silva
Parece ser um livro promissor e muito bom. Adorei a resenha!
ResponderExcluirBoa semana!
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Até mais, Emerson Garcia
Amei a resenha. Parece ser um livro bem pesado e é tão triste ver essa situação disfuncional em relação aos pais que criam filhos como inimigos. Com certeza lerei o livro em algum momento
ResponderExcluirBeijos
https://www.dearlytay.com.br/
Oie, não é um gênero que costumo ler, mas olha, fiquei bem interessada. Todo o conjunto de pontos me fez imaginar que seria uma leitura que iria gostar.
ResponderExcluirBjs
Imersão Literária