‘Meu Livro de Cabeceira’ mostra as
diferentes realidades que as pessoas encaram e como a leitura pode entrar de
formas inusitadas em nossas vidas. De uma maneira geral, é uma leitura leve e
despretensiosa, mas que não deixa de ser carregada de mensagens profundas e
marcantes.
Cada conto é narrado por uma autora
diferente. Das três, eu já conhecia a escrita da Raffa Fustagno (que leio até a
lista de compras, se deixar, rsrs) e da Marina (pelo conto ‘Elas Merecem’, que vale a pena conferir
a resenha também). Assim, já sabia que seriam boas leituras, porém ainda tinha
curiosidade com o trabalho da Desire.
O primeiro conto é escrito pela Raffa e
também o mais longo. Aqui, conhecemos a história pelo ponto de vista de
Manuela, uma jovem de 13 anos que precisa ler um clássico da literatura
nacional para apresentar na escola. Embora seja uma ideia simples e até comum,
dado que faz parte do cotidiano de muita gente, ninguém para muito para
refletir sobre a realidade de estudantes que não têm acesso aos livros por n
motivos.
A protagonista estuda em uma escola de
elite do Rio de Janeiro e tem os melhores professores. No entanto, sua
realidade é bem diferente da de seus colegas de classe, dado que é uma menina
negra e pobre que está lá como bolsista, por ser conhecida da diretora. Isso,
por si só, é motivo de zombaria e preconceito por parte dos demais alunos, o
que faz a menina se tornar mais isolada e ciente de que não se encaixa em nada
daquilo.
Seu único momento de paz é quando vai
até a biblioteca, local seguro e que abriga os livros que ela tanto ama e lê tantas
vezes quanto for possível. Sua situação se complica um pouco quando o professor
de literatura passa um trabalho no qual ela deveria ler ‘A Hora da Estrela’, de
Clarice Lispector, que infelizmente não tem disponível para empréstimo no
momento.
A saída é procurar o exemplar em um
sebo, local que a mocinha já tinha ouvido falar, mas que nunca tinha ido. Ao
chegar lá, no entanto, ela descobre que existe bem mais que apenas livros
velhos para vender.
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Foto: Hanna Carolina/Mundinho da Hanna |
Manuela é uma menina inteligente,
esforçada e sempre faz de tudo para manter as notas altas. Contudo, parte disso
é devido ao esforço de sua mãe, com quem mora.
É muito bonito ver a relação das
duas e o quanto elas representam a realidade de muitas famílias brasileiras. A
mais velha é batalhadora e não teve muitas chances na vida. Então, quer que a
filha tenha todas as oportunidades possíveis que aparecem.
"[...] Sempre ouvi muito na escola
sobre ler um livro que nos desperta, e eu que sempre li tanto achava que já
estava acordada para os novos mundos até me sentir imensamente incomodada pelas
palavras de Clarice e, ao mesmo tempo, me reconhecer nelas."
Junto a D. Carmen – madrinha de Manu –,
elas mostram que são mulheres fortes, cada uma ao seu modo e que, unidas, podem
conquistar qualquer coisa. No entanto, apesar de achar bem legal a preocupação
delas com a menina, eu achei que era exagerada em determinados momentos, ainda
mais porque sufocavam Manuela de uma forma que a coitada quase não tinha tempo
para respirar de tantas atividades que precisava fazer.
Mas ela acaba tirando de letra e mostra
que os livros podem ser um ótimo refúgio, mesmo quando é para um trabalho da
escola. Achei muito nostálgico ver seu comportamento e a forma carinhosa pela
qual tratava seus novos amigos de papel e tinta, além da maneira como falava
deles para as pessoas, envolvendo todos e cativando para que também se
tornassem leitores.
A relação dela com o dono do sebo é um show a parte. Seu Lino é um velho turrão
e não gosta muito de crianças/adolescentes, que só vão lá no sebo, olham e
nunca compram nada, por ser “tudo velho”. Então, a presença de Manuela soa como
mais uma afronta em sua vida.
Aos poucos, esses dois vão se entendendo e é
muito linda a amizade que os personagens criam ao longo das páginas. Depois que
entendi os motivos de ele agir como age para proteger seu negócio, minha
vontade era de colocar o senhorzinho num potinho, pois vi o grande coração que
se escondia por trás de livros empoeirados e prateleiras antigas.
"[...] E ver as pessoas mais
importantes da minha vida reunidas, me ouvindo falar de livros, é como viver um
sonho. Na verdade, sei que estou começando a realizar parte dele."
O final, assim como toda a história, é
doce, cativante e traz uma emoção para qualquer pessoa, seja amante de livros
ou não. Minha relação com ela foi tão forte que foi onde mais marquei quotes
(rsrsrs).
De alguma forma, acabei vendo a minha própria história ali
representada, dado que minha mãe também é do Nordeste e veio tentar a vida aqui
na “cidade grande’ desejando dar um futuro digno para a filha (eu). Talvez por
isso tenha me identificado mais com o primeiro conto e vá guardar ele no
coração com todo carinho do mundo.
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Foto: Hanna Carolina/Mundinho da Hanna |
O segundo conto traz a história de
Georgina, uma estudante de Veterinária que tem um sonho de salvar todos os
animais do mundo. Com muito planejamento e estratégia, a moça acaba conseguindo
arrumar tudo em sua vida, menos a parte amorosa.
Ao menos é o que ela pensa, até que
começa a receber umas cartas inusitadas. No começo, pensa fazer parte de uma
coluna da revista que ela edita. Mas as palavras escritas ali são tão
cativantes que ela não resiste e se envolve com os envelopes verdes em sua mesa
todo dia.
Apesar de ser o único conto que não
tenha livros como tema principal, eu gostei do desenvolvimento dele. A
protagonista é uma mulher forte, decidida e bastante focada em sua ONG. Todo o
seu esforço valeu a pena, dado que tem até reconhecimento internacional. Talvez
por isso ela ignore um pouco as feridas em seu coração, que se tornam fantasmas
e lhe atormentam toda vez que ela para.
Receber as cartas de uma pessoa
desconhecida, no entanto, lhe deixa, ao mesmo tempo, confusa e curiosa. Sr. F é
um rapaz que parece ter várias coisas em comum com a moça, além de paixão por
cachorros. Assim, ele começa a tomar um espaço que Georgina jamais pensou ser
possível em seu coração.
O desfecho é bonitinho e condizente com
a trama. Contudo, foi o conto que menos gostei. Talvez por ter menos páginas, a
autora não desenvolveu mais os personagens como eu esperava. Alguns
participantes importantes ficaram para trás sem muita explicação e eu tive a
sensação de pontas soltas, o que me decepcionou um pouco.
O final é aberto, o que não seria um
problema, se as coisas não tivessem acontecido de forma tão apressada. Por mais
que tivesse achado a proposta interessante, queria que tivesse um mistério um
pouco maior em relação à identidade do Sr. F., além de mais desconfiança por
parte de Georgina, que para uma mulher tão esperta e forte, encarou as coisas
fácil demais e não me convenceu muito.
O último conto
traz três gerações de mulheres lendo o mesmo romance. Assim, acompanhamos a
trajetória de Amélia (avó), Marcela (mãe) e Cleo (filha). Apesar de carregarem
o mesmo sobrenome, elas carregam experiências de épocas diferentes, o que tem
tudo a ver com a visão sobre uma obra que atravessou tantas décadas.
O que
antes poderia ser visto como uma grande prova de honra e amor, hoje deixa de
ser e vice-versa. É interessante ver as três conversando como se fosse um clube
do livro só para as mulheres da família.
"[...] Era curioso como uma
história podia mexer de forma tão diferente com as pessoas. Mãe, filha e neta,
mulheres tão próximas, mas com visões de mundo tão distintas."
Dessa forma, vemos o quanto o gosto
pela leitura pode (e deve) ser perpetuado entre nossos entes queridos. Não só
por questão de deixar um legado, mas gostei de ver como cada uma tinha um gosto
distinto e a visão que tem da leitura é influenciada pelos seus momentos da
própria vida.
Isso é observado especialmente pelo
ângulo de Marcela e Amélia, duas mulheres que tiveram casamentos longos e
passaram por altos e baixos. Como elas lidam com isso se reflete em casa e
vemos como elas descontam (ou se apoiam) na literatura.
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Foto: Hanna Carolina/Mundinho da Hanna |
No entanto, apesar de
ter gostado dessa parte, não gostei muito do desfecho. Apesar de ter sido
condizente com o que vinha sendo apresentado, tive a sensação de que terminou
de maneira muito abrupta e senti falta de mais umas pontas amarradas.
Contudo, mesmo que tenha algumas
ressalvas, os três contos retratam muito bem realidades de pessoas (e leitores)
reais, que tem seus dilemas e lidam da forma que melhor acham na hora.
Falando
sobre o livro em si, li em versão física e posso dizer que a edição está muito
fofa. A capa é em tons vivos de laranja e traz as três protagonistas, cada uma
segurando o elemento chave do respectivo conto. Além disso, a diagramação e
revisão estão de parabéns, impressos em páginas grossinhas e amareladas, do
jeito que amo.
Sendo assim, ‘Meu Livro de Cabeceira’ é
uma leitura leve, despretensiosa, mas que promete algumas emoções no percurso.
Recomendo que leiam e se rendam ao amor pelos livros dos personagens.
E aí, já leram esse livro ou algum outro das autoras? Me contem nos comentários.
Sinto falta de ler em livro físico, acho que gosto mais das histórias quando leio no papel, no kindle é sempre mais dificil a leitura pra mim
ResponderExcluirAh, esse tem no formato físico. Então dá para aproveitar bem a leitura, =)
ExcluirOi!
ResponderExcluirDessas autoras só conheço o trabalho da Raffa Fustagno (com Minha Novela Turca) e adorei a proposta dessa coletânea!
Beijão
https://deiumjeito.blogspot.com/
Eu sou suspeita para falar dos livros da Raffa, porque gosto de todos, hehe. Mas fico feliz que gostou da premissa de 'Meu Livro de Cabeceira', =)
ExcluirOi Hanna, tudo bem? Ainda não conhecia as autoras e o livro. Adorei a vibe dele pelo que você descreveu na sua resenha. São grandes as chances de eu pegar pra ler e gostar.
ResponderExcluirAté breve;
Helaina (Escritora || Blogueira)
https://hipercriativa.blogspot.com
Ah, fico feliz em saber disso, =).
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