Madalena é uma garotinha indesejada e sua mãe faz questão de deixar isso
bem claro a cada momento. Sempre chamada de “Inútil” em casa, ela passou
bastante tempo achando que esse era seu nome.
Tudo que sua mãe sofria na rua ou ouvia dos vizinhos era culpa da
“Inútil”. A “Inútil” que só veio ao mundo para estragar o corpo da mãe e ainda
era “cheia de problemas”.
Sem amigos, sem convívio com os familiares, Madalena
só tinha o exemplo de “amor” vindo da mãe e achava que a vida era assim. Até o
dia em que seu pai reaparece e decide marcar presença na vida da filha.
Agora, Madalena tem uma decisão a tomar, a qual pode mudar para sempre
seu destino: ficar com a mãe que lhe criou a base de ódio esse tempo todo, ou
aceitar o carinho de um pai tentando recuperar o tempo perdido?
‘Eu, Inútil’ é um romance que não estava no meu radar até pouco tempo
atrás. Apesar de curtinho, ele traz uma narrativa triste e carregada de
sentimentos, que precisei ler em doses homeopáticas.
A história é contada pelo ponto de vista da própria Madalena, de quem
acompanhamos a jornada desde criança até ser uma mulher adulta. Na primeira
fase, vemos uma garotinha que só queria o carinho e o cuidado da mãe, porém
nunca conseguia.
Na vista dos outros eram muito unidas, mas bastava a plateia virar as
costas para que Helena, sua mãe, começasse a reclamar.
A mulher é amargurada
por ter sido abandonada durante a gravidez e nunca se recuperou. No entanto, o
jeito como lida com isso é questionável.
Se diz preocupada com a filha, especialmente por ser mãe solteira e
alegar que tem responsabilidade dobrada.
O que seria compreensível se ela não
aproveitasse para colocar a autoestima da criança para baixo a cada
oportunidade.
Madalena é sempre “a gorda”, “a doente”, “a inútil”, “a feia” e
nem tem o direito de chamar a própria mãe pelo título.
“Às vezes as palavras machucam mais que uma pisa.”
Além disso, o simples fato de Madalena querer brincar dentro de casa é
motivo de discussões em níveis que acabariam com a sanidade mental de qualquer
adulto, agora imagina a de uma criança inocente?
Nem preciso dizer o quanto
tive ranço de Helena desde o começo. É uma mulher falsa, vitimista e
egocêntrica.
Tudo que se diz fazer por amor à filha é mais para causar uma boa
impressão do que realmente por amor.
As coisas só mudam um pouco (ou não) quando Madalena entra na escola, o
que foi quase um milagre, diga-se de passagem.
Lá ela aprende que é possível
ter um dia feliz e tranquilo, longe do baixo astral da mãe. Entretanto, tudo
fica ruim de novo quando a aula termina e a garotinha precisa voltar para casa.
Seu consolo é um diário e um bichinho de pelúcia, os únicos amigos que
lhe foram permitidos. Taxada de doente e tomando remédios fortes, Madalena
perde um pouco a noção de realidade.
Deste modo, o máximo que sabemos sobre o
que acontece em sua casa é o que escreve em seu diário em tempos de lucidez ou
desespero, por ter dito uma palavra errada e ficado de castigo (se enredando
cada vez mais na teia de sofrimento da mãe).
Eu só queria levar Madalena embora daquela casa e dar um lar de verdade,
que toda criança merece. Conforme crescia, nossa protagonista entendia melhor o
que acontecia ao seu redor.
Assim, também sabemos um pouco sobre suas próprias
origens, especialmente quando seu pai aparece. Helena pinta o ex-namorado como um monstro. Se eu já tinha ranço dela
antes, aumentou mais ainda.
Mesmo que eles não tivessem o relacionamento dos
sonhos, Madalena não tinha culpa e não merecia sofrer pelas escolhas dos
adultos.
“A felicidade é mesmo assim, é mais rápida que a tristeza; a tristeza
mastiga a gente.”
Alfredo (o pai) sabe que teve seus erros do passado e precisa arcar com
as consequências. Conforme lia e entendia a história por outros ângulos,
comecei a gostar mais dele.
O rapaz sabe que não pode recuperar toda a infância da garotinha, mas
tenta ser um pai de verdade e marcar presença a partir daquele momento. Isso o
faz maduro e racional, ganhando alguns pontos comigo.
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Foto: Hanna Carolina/Mundinho da Hanna |
Além disso, foi uma
figura muito importante na vida da mocinha, que está ficando mais velha e
precisa de muita ajuda para se libertar do ambiente tóxico que Helena fez
questão de criar.
Por mais que ela “vencesse na vida’, nunca era o suficiente para a mãe.
Nunca era como a fulana ou a cicrana que tinha um emprego de verdade e seguia a
lista de realizações dos adultos na ordem certinha.
Talvez por isso ela demorasse tanto a amadurecer. Bastava um passo
adiante para voltar três para trás. E sinceramente, não a julgo.
Se eu tivesse
vivido num lar como o dela (se é que posso chamar de lar), talvez pensasse do
mesmo jeito.
“Achava que só tinha nascido para acabar com a vida de mainha.”
E o pior foi pensar em quantas crianças (até adultos) tem exatamente
essa realidade e não se sentem bem dentro da própria casa.
Não é à toa que a
sociedade anda tão doente nos últimos tempos e se bate tanto na tecla do
cuidado com a saúde mental.
Mesmo que eu não tenha vivido uma situação como
essa realidade diretamente, senti na pele ao ler o que Madalena passou e não foi uma leitura
fácil.
Além disso, confesso que me identifiquei ao ler os pensamentos da moça
já adulta e lutando contra mil demônios imaginários, seja apenas para se olhar
no espelho e se sentir bem com o que via, ou para expressar o desejo de fazer
alguma coisa.
Claro que a batalha dela não chega nem perto da minha, mas eu
cresci também com pessoas colocando minha autoestima lá embaixo e precisei
(ainda preciso) de muita terapia para lutar contra isso todos os dias.
Assim, vendo o quanto a protagonista consegue se desenvolver e lidar com
seus dilemas pessoais de forma adulta é uma vitória para nós duas.
Achei muito
bonito como a autora lidou, de uma forma poética e delicada, com tantos
assuntos fortes e tão necessários hoje em dia.
Ela também abordou a necessidade
dos cuidados com a saúde mental de maneira fluida e simples, que não soou
forçado e atingiu o objetivo: fazer o leitor refletir.
Tanto o prefácio quanto o posfácio têm mais
mensagens reflexivas a respeito. Isso me fez ficar pensando por dias até
decidir como escreveria essa resenha, de uma forma que pudesse dizer o que ela
representa para mim.
A verdade é que não sabemos nem a metade das batalhas diárias que as
pessoas ao nosso redor enfrentam.
Por trás de um sorriso pode estar uma pessoa
triste e com uma dor sem fim. Terminei a leitura pensando exatamente nisso e
foi bom ter conhecido a obra exatamente no mês do setembro amarelo.
O desfecho
é previsível, porém digno. Todos os personagens, até os secundários, são muito
bem desenvolvidos e tem seu final merecido.
Em relação ao livro em si, eu achei a escrita da autora muito fluida e a
trama bem elaborada. Mesmo com poucas páginas, ela soube manter uma história
com começo, meio e fim bem definidos.
Os personagens entram e saem de cena nas
horas certas e, mesmo os “mocinhos” tem seus momentos de falha, o que os torna
mais humanos e críveis.
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Foto: Hanna Carolina/Mundinho da Hanna |
Além disso, descobri que a Cibele é natural de Campina Grande (minha
quase conterrânea). Ler uma boa parte do livro com várias gírias e palavreados
em “paraibês” foi uma verdadeira nostalgia.
A diagramação está muito bonita, embora não ache que a capa combine
muito com o que a trama traz. Ela é simples, em tons de rosa e branco, com uma
boneca no centro, a qual imagino ser a própria Madalena. Entretanto, lendo a
descrição da protagonista, não combina em nada e não vi mais sentido.
Em resumo, é uma boa leitura que recomendo. Porém, aconselho a arranjar
uma caixa de lenços, pois vão precisar.
Já conheciam esse livro? Gostam de obras que falem sobre mãe e filha? Me contem aí!
Oi!
ResponderExcluirJá tinha visto a capa desse livro no Instagram, mas não sabia nada sobre a obra e parece que é uma história mais triste do que a capa promete.
Beijão
https://deiumjeito.blogspot.com/
Sim, definiu bem, viu?
ExcluirOi, Hanna. Tudo bem? Parece uma obra instigante e comovente, não é mesmo? Nunca li nada desta autora. Fiquei curioso com o livro. Que bom que gostou. Abraço!
ResponderExcluirhttps://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/
Sim, gostei bastante, Luciano. E se ficou curioso, recomendo a leitura também, quando puder, =)
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